Será a propriedade privada a grande inimiga da alteridade?
O outro em filosofia é mais do que uma questão. Para alguns seu olhar define o limite da liberdade, oferecendo o critério segundo o qual os sujeitos tornam-se responsáveis. O olhar é o solvente da consciência em si, revela o que há embaixo das camadas de maquiagem que as consciências usam. A partir do olhar alheio a consciência se sente objeto para outra. O que faz da consciência uma consciência, portanto, é o outro. Não há sujeito sem o outro.
A alteridade é o que revela o sujeito enquanto tal, mas força-o a deixar algo de si para trás. O outro é, por isso mesmo, uma força constrangedora e violenta mas simultaneamente solidária. Esse grande constrangimento, o de ser si mesmo, curiosamente foi moralizado, tornou-se um mau sinal hodiernamente.
Há festas ao auto fazer-se e à capacidade de gestar o feto de sua própria consciência. A autonomia iluminista ainda surge na aurora de nossos tempos, daí o ideal de amadurecimento como dar a si mesmo a própria consciência. Não há na equação iluminista a variável da alteridade.
O trauma do olhar alheio naturalmente exige uma resistência. A alteridade torna-se por vezes a grande noite no horizonte iluminista, o inimigo persistente que teima em revelar à consciência que ela não é independente e não pode se auto construir-se.
O tal sentido da alteridade aparece por vezes no cinema americano. Não é incomum verificar os grandes e longos close-ups nos olhos dos alienígenas invasores. O suspense dos filmes de ficção geralmente se dá pela demora em revelar a estranheza do corpo alheio. O outro, o outsider, é assustador e tem olhos enormes, sempre fixos, encarando o espectador.
O alienígena remove a maquiagem subjetiva e, contra ele, o mito iluminista se ergue imponente e autoritário, exigindo que o estrangeiro pague a multa por intrometer-se na gestação que a consciência de si jura criar por si mesma. A maior propriedade reclamada pela consciência é a liberdade de criar-se a si própria. A partir dessa liberdade ela quer estender seus domínios sobre a terra e demarcar um território. Tudo o que é estrangeiro ameaça a entrincheirada consciência.
O outro se torna terrorista. E todo o terror é ameaça à propriedade privada.