O afastamento da experiência comum é uma meta por vezes constrangedora. Escrever se distanciando dos momentos que afetam essa cotidianidade , apesar do embaraço, motiva muitos dos discursos científicos e, não raramente, é aquilo que dá ao discurso sua cientificidade.
É de dentro desse conflito que fala o filósofo. Não se quer cientista, mas exige de si mesmo aquele distanciamento. Discursa sobre a experiência mais ordinária, mas pretende que esta seja comunicável universalmente. A exigência de distanciamento afoga o filósofo. Seus conceitos são tentativas de buscar o ar, com quem eleva o nariz buscando mais fôlego para se afundar novamente.
A loucura é dessas experiências ordinárias que se apresentam repentinamente e que obrigam o filósofo a respirar, a se salvar do afogamento. Haverá alguma situação mais intangível que a loucura (alheia)? Será que experimentar a loucura alheia encontra desconforto análogo em alguma outra experiência?
A loucura por vezes é encarada como incapacidade de adequação a uma estrutura de significados, outras como excesso de inteligência. No mundo burguês, não gratuitamente, todos os gênios são maliciosamente chamados de loucos. A eles é concedida uma série de licenças poéticas os autorizando a pensar e fazer o impensável. Outro aspecto da loucura repetidamente abordado é conflito interno. Diz-se que quem tem muitos conflitos internos e os sente profundamente demais são loucos.
A intenção não é debater a loucura e as instituições que a nomeiam. O papel político e a função da loucura nas sociedades modernas. Já fizeram isso e muito bem. A intenção é descrever a experiência diante da loucura fora das instituições concretas que a regulam.
A loucura por vezes é acompanhada do desconhecimento. Des-conhecer é um conhecer recuado, o negativo de re-conher. Havia algo sempre presente à memória cujos infinitos significados tornavam-se claros à medida em que se atentasse a este. Desconhecer significa perder esse caminho, por isso mesmo pode-se dizer que é um desaprender.
A experiência mais imediata de todo o sujeito é o olhar do outro. Sartre chamava a atenção ao olhar alheio como revelador da experiência de si mesmo. O desconhecimento como loucura é a perda do olhar alheio. O louco não se dá ao reconhecimento de si pelo outro. Por isso mesmo, muito se diz de um certo olhar vago ou olhar vazio dos loucos. O que é mais constrangedor é que o outro da relação também não é reconhecido. Ele é na verdade o “algo” desconhecido ou desaprendido. A experiência da loucura alheia é a experiência de não ser reconhecido como outro em uma relação.
O não ser reconhecido é desesperador e frustrante. Um amigo de sempre que não o vê como outro e que o desconhece a despeito de seu olhar. A banalidade dessa experiência é o que faz dela tão profunda porque a faz invisível.
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