As reflexões de Alan Moore surpreendem pela sutileza do conteúdo eidético e pela revolução na forma de serem apresentadas: histórias em quadrinhos (HQ).
Relendo o V for Vendetta pode-se esbarrar em uma questão incômoda e controversa acerca das origens e dos limites de um governo autocrático. Nos anexos do primeiro capítulo Alan Moore revê sua posição no V for Vendetta em que uma guerra nuclear e a crise dela decorrente culmina em fascismo. Afirma que o fascismo inglês, para nascer, não precisaria realmente de um holocausto nuclear. Sua constatação é alarmante: já se vive em um fascismo.
As reações ao fascismo são sempre controvérsas. No caso dessa HQ, as transformações sociais estabelecem-se sob uma lei de causalidade. A guerra causa o fascismo, que por sua vez tolhe a liberdade, originando sádicos e masoquistas de toda a sorte, que acabam por fomentar o fascismo. Todo fascismo precisa de símbolos. Toda liberdade também. Regimes autocráticos exigem violência, o remédio não é diferente. Dessa forma, "codinome V" é um sádico violento, efeito do caos e defensor da liberdade.
Obviedade!? Sim. Até aqui sim. O momento em que "V" escapa à previsibilidade é quando apresenta os valores que exige realizados. Liberdade de pensamento, respeito às diferentes formas de cultura e expressão. Autonomia da vontade. O que tornaria esse herói anti-herói é a assunção da condição de efeito da guerra e do fascismo, transubstanciada em sadismo. O que o faz comum - e isso é o que não é óbvio - é a eterna defesa de valores heróicos tradicionais. Nada mais burguês do que abster-se dos objetos da vida prática e viver conforme valores morais abstratos. Sua meta é a realização da sociedade burguesa, todavia, nunca foi necessário viver em regimes democráticos para isso. A liberdade que se faz pela força é o sintoma cutâneo do fascismo radical. Dessa maneira "V" é o sintoma de uma doença tão antiga quanto a Europa, mas o protagonista da HQ é o próprio fascismo que estabelece, mesmo nos resultados aparentemente controvérsos, como "V", as condições de possibilidade de sua perpetuação.
Ainda não li a HQ, assisti o filme tem um bom tempo e não foi esta a impressão que tive da obra, talvez a adaptação tenha mudado alguns fatores da história. Na minha percepção V seria um libertário que como foi dito utiliza-se da violência em um meio violento, ele tem características claramente burguesas no seu falar, nos seus gestos, etc, porém me pareceu flertar com um tipo de anarquismo, até mesmo o simbolo, o V em questão lembra um A invertido do movimento anarquista. Aliás vou rever o filme, talvez eu tenha uma nova percepção.
ResponderExcluirMinha defesa é de que os protagonistas (heróis ou anti-heróis), mesmo em sua face mais anárquica, não transcendem, na obra de Alan Moore o básico dos valores burgueses. Embora sejam completamente revolucionários sobre diversos outros aspectos...lembre-se que sou fã incondicional!!
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