terça-feira, 26 de julho de 2011

Indústria da memória

As falsas cidades e a indústria da falsificação que se espalham pelos EUA, tão profundamente compreendidas por Eco encontram uma correspondência no cinema. O que Eco não anuncia na sua análise é que a mimética cultura americana, falsifica não somente monumentos, ambientes, animais e pessoas. Ela falsifica também a geografia.
Os filmes de ficção científica dão o enredo dessa potência falsificadora. Sempre que um americano – geralmente cosmopolitas urbanóides, preferencialmente membros de um grupamento social periférico (mito burguês da liberdade infantil assegurada pela ingenuidade) – viaja no tempo, o que ele encontra além de um deslocamento cultural e histórico, é uma imensa transposição geográfica. A memória se desterritorializa-se do presente, norte-americano, para se reterritorializar em uma Europa medieval.
O passado americano toma uma forma peculiar, pois o que encontram os personagens no passado nada mais são do que as memórias do totalmente outro: o Europeu. Varrendo a memória, o americano típico encontra um passado europeu que não lhe pertence de direito, que compõe, todavia um plano de imanência, uma imagem do seu próprio pensamento em que a Europa e os EUA se sobrepõe. Geograficamente o personagem típico não encontra qualquer oceano entre os dois continentes. A sobreposição histórico/cultural é também, portanto, territorial.
O que Eco permite entrever é que a indústria do falso, é a indústria em que se vende uma lembrança falsa, a qual construirá junto a diversas outras lembranças um plano de imanência esquizofrênico. Toda viajem no tempo ou é encerrada num ciclo em que todos (ou quase todos) os personagens voltam à salvo ao presente, ou termina em uma estranha constatação fatalista, em que algum personagem obriga-se a permanecer no passado e sua presença acaba por se tornar uma necessidade no tempo que se recupera. A imagem é portanto, não somente sobreposta naturalmente, mas liga-se pelos fios da Moira, dando a memória falsa americana uma legitimidade perversa: antes de existirem americanos, sua cultura já anunciava-se como necessária, como utopia européia.
Said encontra um orientalismo na geografia imaginária. Deleuze encontra conceitos e planos. O cinema não encontra nada além de americanos por todos os territórios, que no cinema são reduzidos a unidades sobrepostas, onde os americanos são anunciados escatologicamente, cumprindo sua missão, seu devir.

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